Lideranças Yanomami e Ye’kuana de Roraima e do Amazonas querem um tratamento diferenciado na educação, que valorize mais o conhecimento do próprio povo e respeite suas especificidades culturais e sociais. Para o grupo de 20 indígenas, reunido de 10 a 12 de novembro, em Boa Vista (RR), com a finalidade de discutir a criação do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana (TEEYY), uma das questões principais é a carga horária de 200 dias letivos e 800 horas anuais exigidas pelo Estado. Os professores afirmam
que a exigência é incompatível com as atividades culturais nas aldeias. Em Roraima, as escolas ainda têm a obrigatoriedade de 4 horas diárias em sala de aula, por uma resolução do Conselho Estadual de Educação. Se essas horas não são cumpridas, o ano escolar está perdido.
O professor Armindo Góes Melo Yanomami, presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), defende que os rituais tradicionais sejam reconhecidos como parte do currículo e computados nas horas aula. “O jovem precisa assistir a essa transmissão de conhecimento para aprender sobre sua cultura. Toda vez que o professor tem que obedecer a horários acaba não dando importância à cultura. Precisamos ter liberdade de participar dessas festas na hora e no dia em que elas acontecem”, diz Armindo Yanomami. Os professores explicam que esses rituais não têm data ou hora marcada, dependem de uma série de condições que podem surgir inesperadamente, como por exemplo, a morte de alguém da aldeia, que pede um ritual de uma semana.
“As estruturas atuais da educação brasileira, incluindo a parte da educação indígena, não se flexibilizam o suficiente para atender às demandas dos Yanomami e Ye’kuana”, explica Gérson Levi-Lazzaris´, da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Funai. Segundo ele, “na realidade Yanomami, há atividades que precedem as atividades escolares, e é importante que seja assim para que eles tenham realmente uma educação diferenciada. Se ficam no sistema ocidental de ensino, podem deixar de ser Yanomami e Ye’kuana”, complementa Levi.
Outro ponto que mereceu destaque foi a criação de um censo próprio do TEEYY que reflita a realidade da educação no Território Yanomami. De acordo com os relatos, hoje há muita dificuldade para a realização do censo. A maioria dos alunos e das escolas fica fora da contagem porque o sistema do MEC não aceita alguns tipos de informação, como, por exemplo, de escolas com menos de 30 estudantes e alunos de professores voluntários, o que é comum na região. “A proposta é que se faça, já em 2011, uma contagem real, mesmo que a informação não entre no sistema, para que possamos ter um retrato fiel da educação no território. Sem isso, é impossível fazer propostas para a educação”, justifica Lídia Montanha Castro, membro da Comissão do TEEYY pelo Instituto Socioambiental (ISA).
A comissão provisória do TEEYY, composta por lideranças indígenas e instituições governamentais e não governamentais ligadas à educação dos Yanomami e Ye’kuana, começou a construir o plano de ação para o Território. O Plano prevê medidas para certificação dos cursos de formação de professores promovidos pelas ONGs; reconhecimento de projetos políticos pedagógicos realizados pelas lideranças tradicionais, com calendário e carga horária diferenciada; e certificação de alunos adiantados, mas que formalmente permanecem na 4ª série há anos. Além dessas medidas, há previsão para construir, adequar e equipar escolas, incluindo a contratação de professores, diretores e outros profissionais de educação necessários para o bom funcionamento da escola.
Oportunidade
Davi Kopenawa, da Associação Hutukara, que representa o povo Yanomami nos dois estados, vê a implantação do Território Etnoeducacional como uma oportunidade. “A gente espera que as crianças possam aprender e se tornar professores da própria comunidade para defender os direitos, a terra, a saúde, o meio ambiente, a língua materna e costume tradicional do povo Yanomami”, declara. Ele sonha com o dia em que os Yanomami possam ser professores do branco “para ensinar para os filhos de vocês (não índios) a importância que tem a natureza e a floresta para o Brasil, para o mundo todo”.
Para Levi-Lazzaris´, o mais importante desse encontro, do ponto de vista estratégico, foi a conciliação das populações indígenas Yanomami do Amazonas e de Roraima, criando uma base de diálogo e unificando o discurso dos dois estados. “A gente espera que a implantação do TEEYY seja um exemplo para outros territórios etnoeducacionais, estabelecendo uma nova relação dos indígenas com o governo brasileiro. Com o diálogo permanente, deverá haver uma compreensão da educação Yanomami, e, num momento mais avançado, suplantar a necessidade de organizações intermediárias entre indígenas e governo”.
O detalhamento das ações e a discussão de um currículo diferenciado que valorize mais a cultura indígena local ficaram para os próximos encontros. A comissão gestora deve se reunir três vezes ao ano. A próxima reunião está marcada para abril de 2011, na região Yanomami de Maturacá (AM). Está previsto o fechamento do Plano de Ação, com detalhes, e a assinatura da pactuação do TEEYY, ao final do encontro. As outras reuniões estão marcadas para agosto e dezembro de 2011, na região do Surucucu (RR) e São Gabriel da Cachoeira (AM), respectivamente.
A 2ª reunião do TEEYY foi promovida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério da Educação (MEC), com a participação das secretarias de educação dos dois estados. A primeira reunião, foi nos dias 30 e 31 de agosto, quando os indígenas conheceram o conceito de território proposto pelo MEC e decidiram juntar os Yanomami e Ye'kuana em um só território etnoeducacional, nomeando os componentes da comissão gestora.
Os Territórios Etnoeducacionais (TEE) - Os Territórios Etnoeducacionais representam um novo modelo de educação diferenciada para as populações indígenas baseado na territorialidade e não por unidade de Federação. A organização dos povos em TEEs está prevista no Decreto nº6.861, de 27 de maio de 2009 e é o resultado do diálogo entre os povos indígenas e governos federal, estaduais e municipais. Esses diálogos apontavam para a necessidade de se reconhecer, nas políticas de educação escolar, os distintos contextos socioambientais e territoriais dos povos indígenas do Brasil.
Os Territórios permitem aos índios participar da decisão de políticas públicas voltadas para eles, da destinação do orçamento e da definição dos papéis institucionais na gestão dessa política. Eles favorecem a organização de uma série de ações, entre elas, a formação de professores, tipos de alimentação escolar, criação de materiais didáticos, sempre respeitando as especificidades das etnias, tais como tronco linguístico e questões culturais. A execução dos planos de ação é acompanhada por comissões gestoras, compostas por representantes dos indígenas e do governo.
Até hoje, foram pactuados sete Territórios Etnoeducacionais: Rio Negro, Baixo Amazonas, Juruá/Purus, Cone Sul, Povos do Pantanal, Xavante, Xingu, Mapuera (ou Ichamná) e Mebengokré. Outros 27 territórios estão em fase de implantação e consulta.
Os Yanomami e os Ye’kuana - No Território Yanomami e Ye’kuana vivem cerca de 20 mil indígenas, distribuídos em 37 regiões, numa área total de 9,6 milhões de hectares (96.650 km²), que equivale a mais de duas vezes o estado do Rio de Janeiro. As distâncias entre essas regiões são muito grandes e de difícil percurso. Na maioria dos casos, só se chega de avião ou de barco.
Apesar de os Yanomami serem um único povo, com um mesmo tronco linguístico, eles falam pelo menos 4 línguas diferentes (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam) reconhecidas até o momento, além de dialetos. O nome Yanomami vem da expressão yanõmami thëpë, que significa “seres humanos”.
Os primeiros contatos diretos de grupos yanomami com brancos ocorreram nas décadas de 1910 a 1940, mas alguns permanecem sem contato até os dias de hoje.
Os Ye’kuana vivem dentro do Território Yanomami, e somam 400 indígenas no Brasil, falantes da língua da família Karib. Diferentes, lingüística e culturalmente, de seus vizinhos Yanomami, também são conhecidos como Maiongong. A palavra "Ye’kuana" pode ser traduzida como "gente da canoa" ou ainda "gente do galho na água". Os primeiros contatos com o branco foi com os espanhóis, que os obrigaram ao trabalho nas construções de fortes militares no século XVIII.
A Terra Indígena Yanomami e Ye'kuana, reconhecida por sua alta relevância em termo de proteção da biodiversidade amazônica, foi homologada por um decreto presidencial em 25 de maio de 1992.
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