quarta-feira, 6 de março de 2013

O ENSINO DA LEITURA NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: UMA PROPOSTA DE APLICAÇÃO


Ângela Maria Lorenzoni Sauthier
Ana Lúcia Cheloti Prochnow
                                                   RESUMO
No presente trabalho, tem-se como proposta a realização de um projeto interdisciplinar de leitura, partindo da análise de um texto jornalístico, uma reportagem, retirada de um jornal local. Objetiva-se integrar diferentes áreas do conhecimento, com o intuito de levar o educando, público alvo deste trabalho, a processar uma leitura mais completa de um texto, uma vez que, no ato de ler, todas elas contribuem, e por isso são necessárias, para se construir o significado do texto. Nesse sentido, integraram-se as disciplinas de Português, Matemática, História, Ciências e Educação Artística, com a intenção de desenvolver os seus conteúdos previstos para o quarto ciclo do Ensino Fundamental, partindo de um mesmo instrumento de leitura. Para isso, contou-se com a colaboração dos professores da Escola Básica Estadual Dr. Paulo Lauda. Com esta iniciativa, para a qual se buscou apoio teórico em Kleiman & Morais(1999), Martins (1986), Trevisan (1992), Silva (19), foi possível demonstrar que um mesmo texto pode ser explorado nas diferentes disciplinas, proporcionando um trabalho inovador e atendendo às atuais perspectivas educacionais.
Palavras-chave: leitura, interdisciplinaridade, práticas sociais.
INTRODUÇÃO
Este trabalho surgiu em decorrência das minhas inquietações como
professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental há mais de dez anos. Durante esse tempo, tenho percebido a dificuldade que os alunos têm em ler e entender um texto e também o desinteresse que eles demonstram em relação à leitura. É muito comum não terem consciência da importância da leitura, uma vez que ainda não puderam sentir os seus benefícios como meio de obter conhecimento, cultura e, também, prazer. Baseada nessas constatações fui levada a procurar as razões de tais dificuldades e, ao mesmo tempo, buscar soluções para elas. Lajolo (1982) entende que um dos motivos da defasagem de leitura apresentada pelos alunos decorre das práticas docentes durante a sua escolarização, em que não se priorizou o ensino e a promoção da leitura. Quando realizada sem nenhuma relação com a realidade sociocultural do aluno, a leitura é vista apenas como mais um tipo de atividade escolar da aula de Português. Segundo a autora, quando são trabalhados textos, geralmente, esses se baseiam em fragmentos que servem como objeto de estudo do conteúdo gramatical e não fazem sentido para o aluno, que é levado a responder a questões cujas respostas estão previstas na leitura do professor ou do autor do livro didático.
Sabendo que, por meio da leitura, o homem assume aos poucos o controle de sua aquisição do saber e de sua formação e, dessa forma, participa da sociedade em termos de compreensão e transformação de mundo (SILVA,19), tornam-se urgentes medidas que venham não só ajudar os alunos na compreensão de suas leituras como também despertar o seu gosto por essa prática.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 2000), o tratamento disciplinar dado aos currículos das nossas escolas, entendido como lógico e formal, distancia-se das possibilidades de aprendizagem da grande maioria dos alunos, uma vez que não são suficientes para alcançar o fim de educar para a cidadania. O tratamento desses conteúdos deve integrar conhecimentos de diferentes disciplinas que contribuam para a compreensão e intervenção na realidade em que vivem os alunos.
Apoiada nos PCNs procurei realizar um trabalho de leitura integrado que envolve as demais disciplinas, pois acredito que não cabe somente ao professor de Português abraçar essa causa, visto que, em última análise, os demais professores também têm o compromisso de formar alunos leitores.
O trabalho tem como propósito, diante desse contexto, fornecer aos alunos mais subsídios para compreender e obter um significado mais completo do texto, por meio da interdisciplinaridade. Está apoiado numa proposta de desenvolvimento de projetos interdisciplinares centrados na leitura, criado por Kleiman & Moraes (1999).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A CONCEPÇÃO INTERACIONISTA DE LEITURA
No mundo atual, a leitura, entendida como compreensão e interpretação dos diversos gêneros de textos, é um instrumento indispensável para se poder transitar com independência numa sociedade letrada.
Para Menezes et al. (2002), ler é dialogar com o texto no sentido mais amplo, uma atividade que exige, basicamente, as habilidades de fazer perguntas a um texto, de buscar respostas e saber onde encontrá-las.
Ao refletir sobre as funções da leitura, Silva (19) lembra que, por produzir conhecimento, a leitura será um instrumento de combate à alienação, se o leitor realizá-la de forma reflexiva e crítica, contextualizando-a, fazendo relações com outras leituras e confrontando ideias. O autor afirma que a leitura caracteriza-se como um dos processos que possibilita a participação do homem na vida em sociedade, em termos de compreensão do presente e passado e em termos de possibilidades de transformação sócias cultural futuro. (p.20) Freire (1981) diz que lemos primeiro o mundo, depois a palavra e que a leitura da palavra implica a continuidade da leitura do mundo. Defende que ler não é, simplesmente, decodificar a palavra ou a linguagem escrita e aponta para um conceito mais abrangente: a leitura do mundo.
Se ler implica ler o mundo, mesmo antes e até depois de se ter acesso ao código escrito, pressupõe-se que toda a experiência de vida do leitor esteja envolvida.
Nessa mesma perspectiva, Kleiman (1995) define a atividade de leitura como uma interação à distância entre leitor e autor via texto. Para a autora, a leitura é um ato social, entre dois sujeitos, obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados. Ela salienta que o leitor constrói e não apenas recebe um significado global para o texto; ele procura pistas formais, formula e reformula hipóteses, aceita e rejeita conclusões. Por sua vez, o autor busca, essencialmente, a aprovação do leitor, apresentando, para isso, os melhores argumentos, evidências convincentes, organizando o texto de tal forma que atinja seus objetivos. Segundo Trevisan (1992), a interação leitor-texto, que se estabelece no momento da leitura, vai depender de uma série de elementos centrados no leitor, como o seu conhecimento de mundo, suas crenças, opiniões e interesses, seus conhecimentos a respeito dos diferentes tipos de textos e dos recursos linguísticos utilizados. A autora entende que a compreensão de um texto se caracteriza pela utilização do conhecimento prévio, isto é, o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, ou seja, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. Portanto, diversos níveis de conhecimentos interagem entre si: o linguístico, o textual e o conhecimento de mundo.
O conhecimento linguístico é aquele implícito que faz com que falemos português como nativos. Abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar palavras em português, passando pelo conhecimento do vocabulário, das regras gramaticais e do uso da língua. Trevisan (1992) e Kleiman (1995) compartilham da ideia de que, ao considerar o conhecimento da língua, é preciso levar em conta também o papel do contexto linguístico em que as marcas linguísticas estão inseridas, pois este interfere na apreensão do sentido veiculado pelo texto.
Com relação ao conhecimento textual, entendido como o conjunto de noções e conceitos sobre diversos tipos de textos e formas de discursos, Kleiman (1995) salienta que, quanto maior o conhecimento textual do leitor, quanto mais ele for exposto a diferentes estruturas textuais, mais fácil será sua compreensão. A autora lembra-se da importância de o leitor saber reconhecer a estrutura do texto, pois esta oferece indicadores essenciais que permitem antecipar a informação que contém e facilita a interpretação.
Isso se justifica pelas muitas expectativas que os vários textos despertam no leitor.
Quanto ao conhecimento de mundo ou enciclopédico, isto é, experiências acumuladas que os indivíduos adquirem durante a existência e armazenam na memória, Kleiman (1995) lembra que este pode ser adquirido tanto formal quanto informalmente. Com base nas ideias freireanas, salienta também que, para haver uma compreensão na leitura, a parte relevante de conhecimento de mundo deve estar ativada, num nível ciente e não perdida na memória.
Com relação a isso, Trevisan (1992) destaca que, para haver a compreensão, é necessário certo equilíbrio entre o conhecimento de mundo do autor e o do leitor. Com esses conhecimentos partilhados, o receptor é capaz de dar sentido a informações novas por meio do processo de inferência. A intertextualidade também é citada pela autora como um fator importante para o entendimento, uma vez que se torna necessário que o leitor tenha conhecimentos a respeito de outros textos incorporados. Ela enfatiza que não lemos só o que está escrito, mas também, expressões humanas. Dessa forma, a leitura ultrapassa o texto e começa antes de qualquer contato com ele.
Silva (19) diz que outras concepções do processo de leitura estão sendo elaboradas e assumidas em nossa sociedade. Algumas iniciativas vêm demonstrar a existência de muitas propostas alternativas para a formação de leitores críticos, isto é, aqueles que descobrem o significado do texto pretendido pelo autor da mensagem, mas não permanecem nesse primeiro nível, eles reagem, questionam, problematizam. Essa criticidade leva o leitor à construção de outro texto: o do próprio leitor.

PEDAGOGIA DA LEITURA
É indiscutível que, no trabalho escolar, a leitura ocupe um lugar de destaque no processo de busca e produção de conhecimento. Dessa forma, o ato de ler se faz necessário para professores e alunos, porém é importante analisar em que condições e de que forma esse ato é conduzido no contexto escolar.
No entendimento de Lajolo (1982), a leitura na escola, ao invés de levar os alunos a um conhecimento profundo e crítico da realidade, muitas vezes, serve de pretexto para o estudo de normas gramaticais. Assim, a leitura passa a ser uma habilidade desligada do cotidiano do aluno e apresenta-se como uma obrigação imposta pela escola, por não estar associada a diferentes estruturas textuais que fazem parte do seu dia- a- dia. Dessa forma, o ensino da leitura reflete a pedagogia da contradição, presente no contexto escolar. Pretende-se que o aluno aprenda o todo em um texto fragmentado; quer que ele seja um leitor crítico e participativo, fazendo com que responda apenas ao que está previsto na leitura do professor ou do autor do livro didático. Assim, o aluno lê sem entender, interpreta sem ter lido e realiza atividades que não têm nenhuma função na sua realidade sociocultural (KLEIMAN, 1999).
Kleiman (1999) menciona o fato de que muitos textos apresentados em algumas escolas, principalmente os inseridos nos livros didáticos, pouco têm a ver com a realidade da sociedade. A autora sugere textos de revistas e jornais por serem mais acessíveis tanto para o aluno como para o professor, além de trazerem temas atuais como notícias e reportagens de interesse de todos. Ela acredita que a ausência, em sala de aula, de textos que circulam socialmente é uma forma de recusar a experiência do aluno como cidadão fora do espaço escolar. Dessa forma, o ato de ler desvincula-se do seu objeto e torna-se inexplicável, servindo apenas para suprir o requisito indispensável para ascender novos graus de ensino e da sociedade, objetivando a realização pessoal e econômica. Assim, pode-se perceber que há um esvaziamento das relações entre a leitura e o texto, preenchido apenas com a ideia de aprender a ler para prosperar economicamente. Silva (19) observa que “muitos professores ainda tomam o ato pedagógico como sinônimo de leituras efetuadas, o que é restringir muito ou distorcer completamente a dimensão e a abrangência desse ato” (p.6).
Para o autor, o ato pedagógico vai exigir muito mais do que a leitura de determinados textos, é necessário estabelecer relações dialógicas para a aproximação das pessoas e organizar o avanço cognitivo sobre determinadas questões.
A metodologia de leitura é resultado do trabalho com o texto. A princípio, consideram-se suas diversas estruturas, depois de adequá-las ao contexto do leitor. Ele precisa ser desvelado e não descrito simplesmente.
Para Zilberman & Silva (19), uma pedagogia de leitura que pretenda agir na sociedade, pela transformação do leitor, não se apoia na descrição da estrutura de um texto, mas sim, propõe, ensina e encaminha a descoberta da função exercida pelo mesmo no receptor.
As instituições criadas pela sociedade, como a escola e a linguagem, enquanto sistemas proporciona o exercício individual ou coletivo da leitura. O funcionamento dessas instituições é dinâmico como a própria leitura. A competência por parte da escola é que vai determinar o modo como ocorrem as relações entre as classes sociais. A quantidade e a qualidade dos produtos da linguagem que estão à disposição dos alunos indicam a orientação conservadora ou democrática dos textos bem como da sociedade que os fabrica e distribui (ZILBERMAN & SILVA,19).
Os autores acreditam que as instituições podem ser avaliadas pelos
projetos que possuem em relação à leitura. Eles lembram que reproduzir a leitura, dar ênfase à paráfrase e fornecer interpretações prontas é uma forma de compactuar com o sistema vigente, pois uma escola que pretende realizar uma mudança social deve fazer com que a leitura dos textos se transforme num instrumento de conscientização dos leitores.

LEITURA INTERDISCIPLINAR
A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 2000), conhecida como a nova LDB, rompeu com os paradigmas defendidos pelas leis anteriores. Nelas, havia uma preocupação com a formação do eu, com a humanização do educando, sob uma forte influência da psicologia comportamental, a qual considerava a mente do aluno vazia, e em decorrência disso, a instrução era programada.
O ensino da leitura restringia-se à decodificação num processo ascendente, com o significado centrado no texto. O aluno estava na condição de espectador passivo, de memorizador de conteúdos. Sua função era, então, de decodificar, decifrar e digerir o texto. A partir da nova lei, a leitura passou a ter uma abordagem diferente, sendo o significado do texto negociado entre o leitor e o escritor, passando aquele a ser considerado um coautor do texto.
Na nova LDB, está evidente a preocupação em formar o aluno para viver em sociedade, por meios formais e informais de educar, entre eles, a escola, a família, a associação de bairro etc. A função primordial da escola é a de fornecer instrumentos necessários para que o aluno compreenda o mundo em que vive e possa, progressivamente, assumir o controle do seu saber.
Atualmente, vários problemas são encontrados no currículo escolar: fragmentação, linearidade e alienação do conhecimento e o excessivo individualismo. Kleiman (1999) reforça a ideia de que existem contradições no âmbito pedagógico: Difunde-se um conhecimento fragmentado e exige-se um indivíduo por inteiro. Procura-se fazer com que o aluno memorize o máximo de teoria possível, e cobra-se dele, no mercado de trabalho, a formação prática necessária a uma boa atuação na empresa. Deixa-se o aluno fora do processo, alienado, e exige-se um cidadão crítico, participativo, inserido no contexto (p.14).
A lei enfatiza a aprendizagem a partir do conhecimento prévio do aluno, e este deve mobilizar menos a memória e mais o raciocínio. O educando deve ser incentivado a reconstruir o conhecimento. Para isso, são importantes os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização.
O diálogo entre os conhecimentos é permanente para que o aluno aprenda, sob perspectivas diferentes, numa abordagem interdisciplinar. Não se pode diminuir a importância dos conteúdos, pois as áreas específicas possuem um cabedal de conhecimento acumulado ao qual o aluno deverá também ter acesso. A tendência atual é a de minimizar os conteúdos para que haja um equilíbrio entre o disciplinar e o interdisciplinar. A informação passa a ser útil quando é colocada à disposição dos alunos para eles próprios utilizarem aquilo de que precisam. Além disso, contextualizando os conteúdos, permite-se estabelecer relações de reciprocidade entre o aluno e o objeto do conhecimento. A interdisciplinaridade e a contextualização oportunizam lhe aprender a pensar, a relacionar os conhecimentos com o seu cotidiano, a dar sentido ao aprendido e captar o significado do mundo (KLEIMAN,1999).
A leitura, por sua natureza integradora de saberes e constitutiva da construção de novos saberes, pode vir a exercer o papel da escola, pois oferece os instrumentos necessários para que o aluno consiga compreender as informações tão complexas do mundo atual.
Na perspectiva interdisciplinar, a responsabilidade do ensino da leitura e da escrita deixa de ser exclusiva do professor de Português. Parte-se da premissa de que os outros professores não são meros informadores, e sim, formadores e também responsáveis pelo ensino da leitura, pois se sabe que a escola é a mais importante instituição que introduz o aluno nas práticas de uso da escrita na sociedade.
Nesse universo, a leitura pode ser objetivo e instrumento de aprendizagem. Como instrumento, pertence a todas as disciplinas, pois é a atividade na qual se baseia grande parte do processo de aprendizagem no contexto escolar. Como objetivo, envolve a formação de atitudes, a valorização da prática e a transmissão de valores, aquilo que é importante para as futuras gerações.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
SELEÇÃO DE CORPUS
O objetivo desta análise é propor um trabalho interdisciplinar de leitura, pois estão envolvidas diferentes áreas do conhecimento, tendo como ponto de referência uma reportagem jornalística. O texto jornalístico é uma das ferramentas de que se dispõe no momento de se realizar uma atividade de leitura. Conforme Kleiman (1999), “os múltiplos modos de apresentação da informação no texto jornalístico informativo possibilitam engajar o aluno em diversas práticas sociais de leitura, segundo as perspectivas das diferentes disciplinas” (p.101). Essa análise, portanto, tem como base o estudo proposto por Kleiman (1999), adaptado para uma determinada realidade, alunos da 8a série da Escola Paulo Lauda.
Também os PCNs (BRASIL, 2000) salientam que, para estar em consonância com as demandas da sociedade atual, é necessário que a escola trate de questões que interfiram na vida dos alunos e com as quais se veem confrontados no seu dia-a-dia. Apontam, também, para a importância de se discutirem, na escola e na sala de aula, questões da sociedade brasileira, como as ligadas ao meio ambiente, à política etc. (Temas Transversais). A principal função do trabalho com o tema meio ambiente, por exemplo, é contribuir para a formação de cidadãos conscientes e aptos a decidir e a atuar na realidade socioambiental de modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Somado a isso, a proposta apresentada sugere partir de temas da atualidade que são matérias das notícias e reportagens nas revistas semanais de informação e nos jornais diários, porque elas retomam assuntos de interesse público.
Tendo em vista essa proposta, foi selecionada uma reportagem publicada em um jornal local (Diário de Santa Maria) datada de 17 de maio de 2004, que faz referência à poluição do Arroio Cadena, rio que atravessa a cidade de Santa Maria. O título da reportagem é “Qual é a real situação de Arroio Cadena? A poluição dele tem salvação?” (ANEXO I).

ETAPAS
O primeiro passo para a realização do trabalho foi fazer contato com todos os professores da turma 87 (8a série) correspondente ao 4o ciclo, da qual esta pesquisadora é professora titular de Português, para expor os objetivos da pesquisa e saber se eles estariam dispostos a participar.
Após muitas tentativas para se conseguir marcar uma data em que todos pudessem estar presentes, foi possível fazer uma reunião contando com a presença da professora orientadora e dos professores de Matemática, História, Ciências, Português e Educação Artística.
Todos concordaram com a importância da leitura em todas as disciplinas e manifestaram sua inquietação em relação à dificuldade que os alunos apresentam em entender o que leem. Os professores demonstraram bastante entusiasmo com a proposta de trabalho e se propuseram a “abraçar” esta causa.
Foi sugerida a eles a leitura de alguns capítulos do livro Leitura e Interdisciplinaridade: Tecendo Redes nos projetos da Escola das autoras Ângela Kleiman e Sílvia E. Moraes, em cuja teoria está embasada esta proposta. Também foi disponibilizada a todos uma cópia da reportagem escolhida e sugerido que eles estudassem a viabilidade de aproveitar o texto para serem trabalhados os conteúdos compatíveis com a série em questão em cada disciplina. Cada proposta de trabalho seria discutida em conjunto numa próxima reunião.
Novos encontros aconteceram e novas ideias foram surgindo de forma que a proposta foi sendo incrementada. Os professores passaram a discutir o texto, dentro de cada área de conhecimento. Assim, houve a possibilidade de se trabalhar a interdisciplinaridade abordando um mesmo tema em um mesmo texto por meio de uma reportagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A reportagem selecionada foi publicada na seção Especial do jornal
Diário de Santa Maria (17/05/2004) e assinado por Alves (2004), ANEXO - 1.
O texto destaca o nome da seção (Especial), o título da matéria (Qual é a real situação do Arroio Cadena? A poluição dele tem salvação?) e o subtítulo que resume a notícia (Morreu. Mas pode renascer.). Esses três elementos aparecem em caracteres grandes. As imagens estão distribuídas da seguinte forma: uma foto grande ao centro do texto, mostrando a nascente do arroio com águas limpas e duas fotos menores, logo abaixo; a primeira mostra o esgoto sendo jogado no arroio e a outra, o arroio totalmente poluído. Entre as fotos, aparece a seguinte legenda: Vida e Morte.
Na nascente (acima), beleza e água limpa. Abaixo e à esquerda, o esgoto do centro invade o curso do arroio que, na sua parte final, é lixo, mau cheiro, leito seco e desolação (abaixo, à direita).
Assim, a mensagem verbal propriamente dita se apresenta de três formas:

ELEMENTOS DESTACADOS
Elementos destacados: classificação, título, subtítulo-resumo e frases em destaque Especial.
Qual é a real situação do Arroio Cadena? A poluição dele tem salvação?
Morreu. Mas pode renascer.

LEGENDAS DESCREVENDO AS IMAGENS
Vida e morte. Na nascente (acima), beleza e água limpa. Abaixo e à esquerda, o esgoto do centro invade o curso do arroio que, na sua parte final, é lixo, mau cheiro, leito seco e desolação (abaixo, à direita).
CORPO DO TEXTO (ANEXO 1)
Os professores passaram a discutir o texto dentro nas seguintes áreas do conhecimento: Português, Matemática, História, Ciências e Educação Artística.

Língua Portuguesa
O ensino do Português tem como objetivo propiciar ao aluno oportunidades de vivenciar a linguagem como uma prática social. Esse ensino deve utilizar-se de textos por meio dos quais os alunos terão acesso aos diversos gêneros existentes. Dessa forma, a simples prática social de leitura já atenderia às exigências curriculares desta área (KLEIMAN, 1999).
A prática de leitura da reportagem é uma atividade que também põe
o aluno em contato com diversos modelos de estruturação da informação verbal, um objetivo importante na aula de Português. Por exemplo, a reportagem descreve, de forma chocante, um arroio totalmente poluído, como no trecho a seguir: Nos últimos 40 anos, o leito do Cadena vem recebendo muita sujeira. Das garrafas pet que flutuam aos montes, até sofás que já não serviam mais e os donos não encontraram lugar melhor para colocar. Mas há um tipo de lixo que é ainda mais grave do que este que boia a olhos vistos. É o esgoto. Há também trechos narrativos que fazem referência a um projeto de revitalização do Arroio Cadena: para a recuperação que consta no Programa de Desenvolvimento Sustentável são pleiteados cerca de US$12 milhões financiados pelo Banco Mundial
(Bird). O projeto foi encaminhado no final do ano passado ao Ministério do Planejamento e, depois, ao Senado, onde já foi aprovado. Agora está passando por uma análise técnica no Ministério da Fazenda. A próxima etapa será a aprovação por um fundo do Banco Mundial.
Também em relação ao ensino do Português, a reportagem em questão se utiliza de outros elementos específicos da área, como a técnica da narração, mais especificamente mostrando o discurso direto como no exemplo: - O Cadena já está numa situação tão ruim que nem pode mais piorar. É um arroio morto, totalmente deteriorado. - afirma o engenheiro florestal José Sales Mariano da Rocha, doutor em manejo integrado de Bacias Hidrográficas, livre-docente em Projetos Ambientais e professor da UFSM; e também poderão ser trabalhados os níveis de linguagem (formal/coloquial). No trecho: Morreu. Mas pode renascer e Vida e Morte, poderão ser explorados os efeitos de sentido produzidos pelo emprego da linguagem figurada (linguagem conotativa / denotativa e figuras de linguagem).

Matemática
O texto traz dado, como no primeiro parágrafo, A frieza para falar sobre o curso d’ água que corta a cidade, passando por 16 dos seus 25 bairros não é exagerada, que poderiam ser trabalhados em conteúdos específicos, como a porcentagem. Os alunos calculariam o percentual de bairros da cidade que são banhados pelo Arroio Cadena.
Além disso, na passagem para a recuperação, que consta no Programa de Desenvolvimento Sustentável, são pleiteados cerca de US$12 milhões, financiados pelo Banco Mundial (Bird); para que o aluno entenda o que representa essa quantia em reais, poderá ser desenvolvido o conteúdo regra de três. Em outro trecho, O projeto prevê, entre outras ações, realocação de cerca de 1,3 mil famílias da beira do Cadena, o conteúdo Potência de Base Zero esclareceria o que representa essa quantia (Padronização Científica).

Ciências
O texto trata de um tema de interesse das Ciências, o que dispensaria outras relações. O segundo parágrafo do texto menciona um tipo de lixo que bóia a olhos vistos que é o esgoto. No terceiro parágrafo, há a informação de que Santa Maria trata apenas metade do esgoto produzido por seus mais de 250 mil habitantes. Aqui poderiam ser estudados o saneamento básico e a poluição com coliformes fecais. O texto menciona que o único local poupado fica cerca de 200 metros logo depois da nascente. Trata- se de um bom exemplo para a introdução ao estudo da Física (unidades de medida). O texto propicia também o trabalho de atitudes preventivas, sociais e comunitárias e de procura de soluções a médio e longo prazo para o problema em questão, como também o desenvolvimento da criticidade dos alunos perante suas atitudes diárias em relação ao meio ambiente.

História
No segundo parágrafo da reportagem, há informações sobre a temporalidade da poluição do Arroio Cadena. Os alunos poderiam pesquisar quais foram os primeiros povos que habitaram a região e qual a sua relação com o arroio. Com referência ao lixo, os alunos poderiam pesquisar em que momento da história aconteceu o surgimento desenfreado do arroio. O texto ainda menciona que o fato de Santa Maria ser uma cidade universitária e não industrial torna a poluição do Arroio reversível. A partir dessa afirmação, é possível trabalhar o surgimento das cidades a partir da Revolução Industrial; descrever as vantagens e desvantagens de a cidade possuir poucas indústrias e entender o funcionamento do Programa de Desenvolvimento Sustentável, como conciliá-lo com a crescente industrialização do mundo.

Artes
O texto mostra três fotos atuais do Arroio Cadena em momentos diferentes: a primeira, a nascente com águas límpidas; a segunda, o esgoto tomando conta do arroio e a última, o arroio totalmente poluído. Os alunos poderiam fazer uma pesquisa de fotos antigas e atuais do arroio. Após, fariam um desenho representando sua situação atual. Depois de fazer uma releitura das fotos antigas e atuais dos locais fotografados, os alunos fariam um desenho de como eles imaginariam que estivesse o arroio hoje, sem poluição.

CONCLUSÃO
A escola precisa formar indivíduos críticos, letrados e capazes de seguir aprendendo pelo resto de suas vidas. Para isso, é necessário desfazer as fronteiras rígidas existentes entre as disciplinas, que fragmentam o saber do aluno, impedindo-o de construir seu conhecimento por seus próprios meios.
Acredito que a leitura interdisciplinar é uma forma de romper com a fragmentação das disciplinas e de proporcionar ao aluno uma visão do todo através da interação de vários saberes.
A realização deste trabalho de leitura interdisciplinar teve resultados positivos pelo comprometimento dos professores participantes com a proposta apresentada a eles. Apesar das precárias condições de execução, propuseram-se a colaborar para repensar sua prática, pois são profissionais receptivos a novas possibilidades de trabalho. A referida proposta não foi executada. Limitou-se a indicar uma forma de trabalho integrado entre as disciplinas, porém a intenção é de colocá-la em prática no próximo ano letivo, na série para a qual foi pensada.
Reafirmo assim que a leitura é uma atividade que merece ter lugar destacado na prática escolar, portanto, deve ser ensinada por todos os professores, em todas as matérias. Por tratar-se de um trabalho coletivo, de equipe, os professores precisam ter humildade e disponibilidade de troca para que os conteúdos de suas disciplinas possam ser integrados com os das demais. A escola, por sua vez, precisa dar condições para que esse tipo de atividade seja realizado, possibilitando o acesso a textos que circulam socialmente, como revistas semanais de informação e jornais diários, e também disponibilizar tempo para que os professores possam se reunir e discutir o trabalho proposto.
Não tenho dúvida de que trabalhar com leitura interdisciplinar requer planejamento e troca de informações, e, certamente, todos serão beneficiados. Os alunos serão capazes de compreender o texto de forma integral, de relacionar seus saberes e de aprender a trabalhar em equipe. Os professores serão incentivados a ampliar os seus conhecimentos em outras áreas e a melhorar o relacionamento entre os colegas. A escola estará engajada nas propostas dos PCNs que sugerem contrapor a fragmentação e a linearidade do currículo à interdisciplinaridade e neutralizar o excessivo individualismo quando se propõem trabalhos coletivos. Assim, estaremos formando cidadãos melhores, preparados para participar da sociedade em que estão inseridos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ministério
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1981.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura.
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TREVISAN, Eunice Maria Castegnaro. Leitura: coerência e co-
nhecimento prévio: uma exemplificação com o frame carnaval. Santa Maria: UFSM, 1992.
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Pedagogia
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São Paulo: Ática, 19. p.111-115.

QUAL É A REAL SITUAÇÃO DO ARROIO CADENA?
A POLUIÇÃO DELE TEM SALVAÇÃO.

                       Morreu. Mas pode renascer.
Um arroio morto. É assim, sem pompa nem circunstância que pode ser definida a situação do Cadena. A frieza para falar sobre o curso d’água que corta a cidade passando por 16 dos seus 25 bairros não é exagerada.
Nos últimos 40 anos, o leito do Cadena vem recebendo muita sujeira. Das garrafas pet que flutuam aos montes até sofás que já não serviam mais e os donos não encontraram lugar “melhor” para colocar. Mas há ainda um tipo de lixo que é ainda mais grave que este que boia a olhos vistos.
É o esgoto.
Santa Maria trata apenas metade do esgoto produzido por seus mais de 250 mil habitantes. O resto vai para o Cadena ou para algum de seus afluentes, o esgoto toma o seu rumo natural e desemboca no Cadena.
Nas vilas da cidade que são margeadas pelo Cadena como Renascença, Lídia e Oliveira, não é preciso esforço para ver a agressão. Os casebres à beira do arroio tem ligação direta do seu esgoto para a água.
Mas não são apenas as vilas ribeirinhas as responsáveis por tanta poluição. Ao contrário do que se pode pensar, elas são poluidoras em menor volume.
A maior parte do esgoto que chega ao cadena vem da área central da cidade. O edifício taperinha é um exemplo com seus 14 andares e cerca de 200 moradores, despeja no cadena todo o esgoto que produz.
Essa realidade torna a situação crítica.
Um levantamento da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Ibama, feito no final da década de 90, encontrou coliformes fecais e bactérias nocivas a saúde em praticamente todos os pontos analisados ao longo dos 30Km de extensão do arroio.
O único local poupado fica aos cerca de 200 metros logo depois da nascente, no bairro perpétuo Socorro. No restante da última análise pra cá, o problema só piorou.- O Cadena já está numa situação tão ruim que nem pode mais piorar. É um arroio morto, totalmente deteriorado - informa o engenheiro florestal José Sales Mariano da Rocha, doutor em manejo integrado das Bactérias Hidrográficas, livre-docente em Projetos Ambientais e professor da UFSM.
Sem indústria, há menos poluição
Mesmo que a poluição perpasse rodo o curso do Cadena, existe esperança para o arroio. A condição de Cidade Universitária e sem vocação para indústria, no aspecto ambiental, torna reversível o drama do Cadena. Durante os 40 anos em que o arroio vem sendo utilizado com mais intensidade como depósito de lixo e esgoto da cidade, ele teve a sorte de não receber resíduos industrializados.
Este é um dos fatores que dá aos ambientalistas a certeza de poder recuperar todo o leito. - É possível ressuscitar o Cadena. Com a execução de um projeto completo, aplicado de maneira correta, ele pode voltar a ser um arroio limpo, com vida, dentro da cidade. - assegura Rocha.
A informação é um alento. Mas, apesar de ser possível, a recuperação não será real se não contar com o comprometimento dos administradores públicos e de todos os cidadãos santa-marienses.
Um projeto importante e bem caro.
Recuperar o Cadena é uma boa intenção que esbarra em cifras monstruosas. A prefeitura tem um programa em andamento para revitalização do arroio, mas anda na fase inicial, que é também uma das mais difíceis, a busca de dinheiro.
Para a recuperação que consta no Programa de Desenvolvimento Sustentável são preiteados cerca de US$ 12 milhões, financiados pelo Banco Mundial (Bird). O projeto fo encaminhado no final do ano passado ao ministério do planejamento e depois ao Senado, onde foi aprovado. Agora está passando por uma análise técnica no Ministério da Fazenda. A próxima etapa será a aprovação por um fundo do Banco Mundial.
É nesse projeto que a prefeitura aposta suas fichas. A verba, se for conquistada, será usada conforme o engenheiro florestal e assessor da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental, Luiz Geraldo Cero, para um trabalho completo.
O projeto prevê entre suas ações, a realocação de mais de 13 mil famílias da beira do Cadena, tratamento de 100% do esgoto da cidade, construção de um parque ecológico na margem do arroio e limpeza do leito com sistema de contenção e remoção do lixo.
Nada se conseguirá sem educação ambiental.
Outra ação prevista é de conscientização. A meta, nesse ponto do projeto é contar com a ajuda das escolas para que eduquem as crianças e para que repassem o conhecimento às suas famílias.
Caso seja aplicado, o projeto deve levas cerca de cinco anos para chegar à fase final e ter seus efeitos prontos para serem conferidos.
Para Santa Maria uma das vantagens de recuperar o Cadena seria ter um arroio limpo, atravessando boa parte da extensão urbana, ao contrário do foco de contaminação e de doença que ele representa hoje. O Cadena sujo, com lixo boiando na superfície será substituído por um arroio com vida. Ele passaria, ao invés de envergonhar, a orgulhar e ajudar os santa-marienses.

(Artigo Publicado no Diário de Santa Maria, em 17/05/2004, pág. 16 - Caderno: Especial.)

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